A História é cheia de caminhos que poderiam ter sido diferentes. Basta uma decisão mudada, uma rota desviada ou uma guerra vencida por outro lado, e todo o curso dos acontecimentos seria outro. Esse exercício se chama história contrafactual ou história alternativa — e, embora não substitua a História real, ele nos ajuda a refletir sobre o que de fato aconteceu.
Hoje, vamos explorar um desses cenários provocativos: e se o Brasil tivesse sido colonizado pelos ingleses em vez dos portugueses? Quais mudanças podemos imaginar? O idioma seria o inglês? Teríamos sido uma colônia de povoamento como os Estados Unidos? Haveria escravidão? E a cultura, a religião, a política?
1. De colônia de exploração a colônia de povoamento
Uma das maiores diferenças entre a colonização portuguesa e a inglesa foi o tipo de colônia: Portugal explorava, extraía riquezas e mantinha o Brasil como uma extensão lucrativa do reino. Já a Inglaterra, em muitas de suas colônias, especialmente na América do Norte, instalava comunidades permanentes, com foco em povoamento, agricultura e autonomia local.
Se o Brasil tivesse sido colonizado pelos ingleses no século XVII, como fizeram com as Treze Colônias americanas, é possível que houvesse:
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Maior presença de pequenos proprietários de terra.
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Formação de cidades com autonomia municipal desde cedo.
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Desenvolvimento de uma elite local com mais influência política.
2. O idioma e o sistema jurídico 🗣️
Uma das mudanças mais visíveis seria o idioma: o português daria lugar ao inglês como língua oficial, com todas as implicações culturais que isso carrega. A forma de escrever, pensar e até organizar a educação seria completamente diferente.
Além disso, provavelmente o país adotaria o sistema jurídico da Common Law (baseado em jurisprudência), usado nos EUA e Reino Unido, em vez do modelo de direito romano-germânico trazido por Portugal.
3. Religião e sociedade: menos catolicismo, mais pluralidade?🙏
Uma das principais marcas da colonização portuguesa no Brasil foi a fusão entre o Estado e a Igreja Católica. Desde os primeiros anos, a catequese dos povos indígenas e a imposição do catolicismo foram instrumentos de dominação cultural e social. A Igreja teve papel central na administração colonial, no controle da educação, na definição de costumes e até na perseguição de práticas religiosas africanas e indígenas.
Se o Brasil tivesse sido colonizado pelos ingleses, esse cenário seria bem diferente. Embora a Inglaterra também tivesse sua religião oficial — o anglicanismo —, suas colônias na América do Norte foram palco de migrações religiosas diversas, incluindo puritanos, quakers, batistas, metodistas e outros grupos dissidentes que buscavam liberdade de culto.
Nesse contexto alternativo, o Brasil poderia ter experimentado desde cedo:
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Maior diversidade religiosa, com igrejas independentes atuando sem submissão direta ao Estado.
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Uma sociedade mais marcada por valores protestantes, como disciplina pessoal, ênfase na leitura (inclusive da Bíblia), trabalho como virtude e autonomia moral.
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Menos presença de instituições eclesiásticas centralizadas, o que poderia afetar a formação das escolas, das elites e da cultura popular.
Por outro lado, esse ambiente pluralista não impediria a intolerância: colônias inglesas também perseguiam grupos religiosos considerados “desviantes”, e o puritanismo, por exemplo, podia ser extremamente rígido. Além disso, a liberdade religiosa nem sempre se aplicava a povos colonizados — indígenas e africanos provavelmente continuariam sendo pressionados a abandonar suas crenças originais.
Ainda assim, é possível imaginar que, sob domínio inglês, o Brasil teria se desenvolvido com uma estrutura religiosa mais descentralizada, com impacto direto na cultura, na política e até na maneira como o poder seria distribuído entre diferentes grupos sociais.
4. Escravidão: teria existido? ⚖️
Sim. Os ingleses também participaram do tráfico negreiro e mantiveram escravidão em várias colônias (como no Caribe e nos EUA). Portanto, é bem provável que a escravidão tivesse existido no Brasil inglês, mas talvez com algumas diferenças:
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A abolição poderia ter ocorrido mais cedo, como aconteceu em outros domínios britânicos.
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O movimento abolicionista teria sido mais ligado a ativistas civis e religiosos, como nos EUA e Inglaterra.
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É possível que houvesse maior integração dos libertos na sociedade — ou, ao contrário, uma segregação racial formal, como ocorreu com as leis de Jim Crow nos EUA.
5. Educação e alfabetização: avanço mais rápido? 🎓
Sob influência britânica, o Brasil poderia ter tido um sistema educacional mais amplo e descentralizado, como ocorreu nos EUA. A alfabetização em massa poderia ter começado no século XIX e a universidade chegado mais cedo.
6. Monarquia ou república? 🏛️
Os ingleses mantiveram monarquias simbólicas em muitos de seus domínios, mas também estimularam repúblicas autônomas. O Brasil inglês poderia ter seguido o caminho dos EUA e se tornado uma república federativa ainda no século XVIII ou XIX, sem Dom Pedro, sem império, e com presidentes desde cedo.
7. E a identidade nacional?
Esse talvez seja o ponto mais difícil de prever. A alma brasileira, como conhecemos hoje, foi forjada na mistura de povos, culturas e contradições da colonização portuguesa.
Com os ingleses, o Brasil seria outro — talvez mais estruturado economicamente, mas possivelmente com:
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Menos sincretismo religioso.
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Menos influência da cultura africana e indígena.
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Um modelo de sociedade mais parecido com o americano ou canadense.
Seríamos "mais desenvolvidos"? Talvez. Seríamos mais justos? Não necessariamente. Seríamos o mesmo povo? Com certeza, não.
Conclusão
A história alternativa nos ajuda a enxergar a complexidade das escolhas e dos caminhos trilhados pela humanidade. Imaginar o Brasil sob colonização inglesa é um exercício que revela não só o que poderíamos ter sido, mas também nos faz valorizar (e criticar) o que somos hoje.
O Brasil tem desafios profundos — muitos herdados da forma como foi colonizado. Mas também tem riquezas culturais, sociais e humanas únicas, frutos de uma trajetória própria. E isso não se muda nem com navio inglês nem com reescrita de roteiro.
📚 Referências e leituras recomendadas:
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
BOXER, Charles R. O império marítimo português: 1415–1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira. São Paulo: Ática, 1992.
DARNTON, Robert. Os Best-Sellers Proibidos na França Pré-Revolucionária. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
TAVARES, Luis Henrique Dias. A formação do Brasil. Salvador: EDUFBA, 2010.
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